Raquel Montero

Raquel Montero

quarta-feira, 15 de maio de 2013

"Mensalão"; descortinando as faces de um julgamento - Parte 2



Continuando...
Roberto Jefferson tem seu mandato de deputado cassado por quebra de decoro parlamentar. José  Dirceu também teria seu mandato cassado. A CPI da compra de votos, conhecida também como “CPI do mensalão”, é encerrada sem ter um relatório final aprovado.
Em 2006 o MPF apresenta no STF, denúncia de envolvimento com o mensalão contra 40 pessoas. José Dirceu, Roberto Jefferson, Marcos Valério, Duda Mendonça, José Genoíno, Delúbio Soares e Silvio Pereira estavam entre os acusados de crimes como formação de quadrilha, lavagem de dinheiro, evasão ilegal de divisas, corrupção ativa e passiva e peculato.
O STF analisou a denúncia por cinco dias em 2007, concluindo por seu acolhimento. E assim estavam abertos processos criminais contra 40 acusados pelo MPF. O relator do processo seria o ministro Joaquim Barbosa.
Em dezembro de 2011, o ministro Joaquim Barbosa entrega o relatório do processo para o ministro revisor, Ricardo Lewandowski. Dizendo ter sofrido forte pressão, Lewandowski apresenta seu trabalho em 26 de junho de 2012 e diz ter feito “das tripas coração para respeitar o que foi estabelecido pelos ministros da Casa. Foi o voto revisor mais curto da história do STF, mas sem prejuízo da qualidade”. Com isso o julgamento pôde ser iniciado no dia 02 de agosto de 2012, coincidindo com a proximidade das eleições municipais de 2012.
Após mais de 40 sessões, amplamente acompanhadas pela mídia, o STF conclui que houve compra de votos de parlamentares da base aliada durante o primeiro mandato presidencial de Lula, e que houve uso de dinheiro público para tais expedientes. Vinte e cinco pessoas foram condenadas.
Os ministros não aceitaram o argumento da defesa dos réus, segundo o qual o mensalão não teria passado do que é popularmente conhecido como “caixa dois”, isto é, utilização de dinheiro não declarado no período eleitoral.
O julgamento foi marcado por momentos tensos, de desarmonia entre os ministros, de decisões baseadas em premissas inusitadas, como a “teoria do domínio do fato”, em que alguns réus foram condenados sem provas factuais já que, supostamente pela posição que ocupavam, deveriam ter conhecimento dos atos criminosos praticados. A insegurança jurídica desse raciocínio foi citada por vários especialistas.
Uma coisa ficou clara; Dirceu e Genoíno foram condenados sem prova concreta contra eles, mas sim sob o argumento de que “era impossível” que não soubessem de nada. E assim foi feita “justiça” no STF.
Para muitos especialistas foi um péssimo exemplo de Direito, permeado por dúvidas, preconceitos, subjetividades e pela não presunção da inocência, onde até que se prove o contrário, ou sob qualquer dúvida ou incerteza, o réu é inocente.
José Dirceu foi condenado como o mentor do “esquema” e José Genoíno por corrupção ativa e formação de quadrilha.
Não por mera coincidência, o julgamento foi marcado para a véspera das eleições municipais no país.


Vícios, parcialidades e máculas

Vou destacar os principais vícios, parcialidades e máculas praticadas no julgamento do mensalão pelo STF, e que com contundência tornam nulo o julgamento praticado e injusta a decisão proferida.
Foi violado o princípio constitucional essencial do juiz natural. A regra geral é que o primeiro órgão a examinar uma causa é um juiz de primeiro grau, sobretudo e principalmente se o réu for um cidadão comum. Os tribunais são acessados quando houver um recurso e a competência deles é sempre excepcional e deve estar explícita. E se há no mesmo processo várias pessoas acusadas de um mesmo crime, sendo que algumas têm foro privilegiado para serem processadas no STF e outras não têm foro privilegiado, não podem ter suas acusações reunidas e julgadas pelo mesmo órgão. E foi exatamente o contrário que ocorreu no julgamento do mensalão.
Foram julgadas pelo STF pessoas comuns que não exercem funções públicas exigidas pelas regras constitucionais para que sejam julgadas pelo STF, e assim essas pessoas deveriam ter sido julgadas pelo juiz natural competente, que seria o juiz de primeiro grau de jurisdição e não o STF. O Ministro Ricardo Lewandowski quase foi agredido quando levantou esta questão, e isso, de certo modo, intimidou alguns outros ministros, que podem ter ficado temerosos de sofrer a mesma agressão.
Além disso, o STF foi amplamente criticado pelo uso que deu à “teoria do domínio do fato”.
Na faculdade de Direito ensina-se que pela “teoria do domínio do fato”, autor da infração é aquele que domina finalmente a realização do fato, isto é, quem decide, em linhas gerais, o “se”  e o “como” de sua realização.
Não foi a teoria adotada pelo Brasil. A teoria adotada pelo Brasil é a “teoria restritiva (formal-objetiva e objetivo-material), segundo a qual autor da infração é quem efetivamente realiza a ação criminosa.
O que aconteceu no julgamento da Ação Penal 470, foi a adoção da “teoria do domínio do fato”, que o Brasil não é adepto, e ainda, com um novo significado, avesso ao significado original da teoria desenvolvida em 1930 e conhecida mundialmente. Os ministros decidiram que uma pessoa de um alto cargo na hierarquia de uma instituição pode contribuir para um crime apenas pela posição que ocupa, mesmo que não tenha participado diretamente dos fatos. A teoria, assim aplicada, permite incriminar e condenar réus contra os quais não existam provas concretas. Em outras palavras a teoria está sendo usada agora para condenar réus sem prova.
O ministro revisor da ação, Ricardo Lewandowski, e o ministro Antonio Dias Toffoli fizeram a mesma crítica. Para eles José Dirceu foi condenado tão somente por ter sido presidente do PT à época dos fatos.
A “teoria do domínio do fato”, cuidadosamente desenvolvida, foi desvirtuada e utilizada para flexibilizar a análise rigorosa que deve ser feita em um processo penal acerca da prova dos autos.
A “teoria do domínio do fato” trata o autor da ação criminosa segundo sua conduta durante a ação criminosa e não pelo resultado dela. O que interessa não é o resultado final, mas a conduta do autor ao ter o controle do fato, conhecendo o fato delituoso e sabendo quem são os autores e coautores.
Nessa conjuntura há elementos fortes que levam a considerar que houve elevado grau de subjetividade no julgamento, não só pela falta considerável de provas, pela existência de vários indícios controversos, mas também pelo reconhecimento por parte dos próprios ministros, do teor subjetivo das decisões. O próprio ministro Joaquim Barbosa afirmou que não estava decidindo com base em provas, mas em indícios e suposições. Um “achismo jurídico”, foi o que ocorreu.
Continua...
Raquel Bencsik Montero

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