Raquel Montero

Raquel Montero

segunda-feira, 4 de dezembro de 2017

Cada cabeça, uma...

Foto: Reprodução


Audiência trabalhista. Empresa de um lado, trabalhadora do outro lado, chamada na Justiça do Trabalho de "reclamante". Juíza pondera mas não chega a perguntar; "mas por que não ajuizou a ação logo que foi demitida da empresa estando grávida? Por que a ação foi ajuizada depois de alguns meses?"


Eu, advogada da trabalhadora, falo, mesmo sem ser perguntada; "A reclamante ajuizou a ação dentro do prazo para tanto, então, tinha direito de ajuizar quando ajuizou. Além disso, ao ser demitida, avisou a empresa que estava grávida."


A juíza: "Sim, mas poderia ter feito antes. Por que ela demorou tanto?" A pergunta dá a ideia de que era a trabalhadora que estava errada, e não a empresa, ao ser demitida grávida ou pela existência daquela ação trabalhista que foi feita para cobrar indenização pelo período de estabilidade decorrente da gravidez, e cuja estabilidade não foi respeitada pela empresa, ao demitir a trabalhadora estando ela grávida.


Eu; "Talvez porque após ser demitida estivesse desempregada, sem qualquer renda, não sabe ler nem escrever (e menciono vários documentos que juntei ao processo e que comprovam que ela os assinou apenas com a digital da mão), mora na periferia da cidade onde o acesso a diversos direitos são negados todos os dias a milhares de pessoas, a tarifa do transporte público de Ribeirão seja uma das mais caras do Brasil, é beneficiária do Bolsa Família (nesse momento levanto o cartão do Bolsa Família da trabalhadora e mostro para a juíza), o que já remete ela a uma condição de pobreza ou extrema pobreza para poder se beneficiar de tal benefício social, então, talvez ela tinha que escolher entre alimentar os dois filhos que já tinha e o que estava sendo gerado ao invés de gastar com quatro ônibus para chegar até o acesso a seus direitos. Talvez tenha sido por esses motivos, Excelência."


Falo olhando para a juíza e vejo sua face responder positivamente ao que falo, como se talvez ela nunca tivesse pensado daquela forma.


Após, iniciamos tratativas para um acordo. Parte da juíza a proposta de acordo, ao sinalizar uma condenação, que, porém, não sabemos de quanto seria. A empresa propõe parcelar. A juíza pergunta se dá para ser à vista o pagamento. Por fim, fechamos um bom acordo e parcelamos em algumas parcelas.


Momentos depois de fechar o acordo a juíza comenta; "Está difícil sair pagamentos à vista. Até o Santander outro dia parcelou." Eu faço algumas ponderações após esse comentário da juíza, no sentido de contestá-lo, mas a ponderação mais delicada que faço é dentro de mim mesma, pensando nas vidas que dependem da concepção de vida que tem outras pessoas.


Raquel Montero

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